quarta-feira, 29 de abril de 2015

Curto Tempo

Sento-me no ônibus, trem ou metrô. Do outro lado, um rosto, um olhar. Sinto conforto naqueles olhos. Algo de familiar me faz olhar quase sempre para ela. Não sei o motivo disso, eu nunca sei. Mas sinto um frio na barriga, sinto aquela vontade de puxar assunto. Por algum motivo que não entendi até agora, sinto que é recíproco. Os olhares voltam. Não chega a ser uma cantada ou flerte, mas a atração causada por algum tipo de sincronia. Não sei se é por termos quase tudo em comum, mesmo sem sabermos. Pode ser questão de hormônios ou até aparência. Talvez seja só coisa da minha cabeça, ou de fato tenhamos nos apaixonado quase que na mesma hora. Mas não importa o motivo. O que importa é que agora estou em queda. O chão some, a voz também. Até a capacidade de olhar fixamente me é tomada. Quando quero estabelecer contato visual, não consigo. Quando não quero que perceba, não paro de dar olhadas rápidas. Acho que poderia começar uma boa amizade, provavelmente devemos nos entender. Essa pessoa parece interessante de se conhecer.

Ela salta. Vai embora, provavelmente para casa. Vai continuar sua vida normalmente, e seu olhar nunca mais vai aparecer na minha. Não lembrarei mais dela no dia seguinte. Provavelmente nem lembrarei quando chegar em casa. Mas passo alguns minutos refletindo sobre tantas as maneiras que eu poderia ter usado para me aproximar. Será que ela também faz o mesmo?

Não é a primeira vez, não será a última. Essa pequena e súbita conexão é familiar para todos, mas parece que o prazer vem da pequena duração desses momentos. Momentos esses em que pensamos ser correspondidos e entendidos. Momentos únicos em que a pessoa não responde.



terça-feira, 28 de abril de 2015

Era Outra Vez: João e Maria

Conto de fadas: em seu sentido etimológico, “conto” trata-se de uma contagem ou suposição que adquiriu o sentido de narração. Concatenado ao “de fadas”, nos traz o sentido de uma fábula ou história antiga (que pode ser ou não baseada em um acontecimento real), passada de geração em geração para ensinar valores e dar lições de moral.
Contos de fadas podem e, com certeza, são modificados com o passar das gerações. Cada um que ouvia a história lá no início após sua origem passava a mesma para seus filhos. É óbvio que muitos alteravam a estória de acordo com suas necessidades criando dessa forma muitas outras versões. Algumas dessas versões faziam fama, se tornavam livros e serviam de inspiração para outras estórias que se distanciavam cada vez mais da original.
Perdoem-me pela introdução meio chata, mas finalmente cheguei ao ponto que queria e daqui não enrolarei mais. Recebi recentemente um e-mail de uma fonte anônima. Neste e-mail, a fonte dizia que sua família carregava uma versão mais realista e interessante de um desses contos. Deixarei com vocês o papel de decidir se ela se aproxima mais da origem do conto ou não. A versão que recebi estava em primeira pessoa e isso me fez supor que ela era passada pelas pessoas sempre em formato de texto. Sem mais delongas, aqui vai a versão do anônimo.
“Era noite e nuvens cobriam o céu. Apenas o clarão ofuscado da lua e uma luz amarela que se movia trêmula no horizonte iluminavam a paisagem. Não vejo nenhuma estrela, apenas o breu absoluto e infinito. Meus pés descalços sentem a grama gelada e macia da clareira e as formigas que fazem cócegas nos meus dedos. Entre algumas árvores eu vejo um caminho de terra, contornado por alguns cogumelos e galhos velhos. Minha irmã toca meu ombro e aponta para o outro lado, para a velha cidade de madeira com uma fogueira gigante iluminando os céus anunciando algum festival. Sinto-me tentado a voltar para casa, mas aquele caminho me despertava a curiosidade. Eu não voltaria atrás agora, afinal, é só ver para onde o caminho leva e em seguida voltar para casa.
Olho para Maria e tiro a mão dela de meu ombro. Seguro ela pelo braço e suplico com os olhos para que ela me siga. Minha irmã bufa e olha para baixo deixando claro que consegui o que queria. Sem hesitar ou ao menos sentir pena por ela, eu largo o braço de Maria e ando com passos lentos para fora da clareira em direção ao caminho de cogumelos, galhos e terra.
Minha irmã me segue silenciosa e apenas o barulho de grilos e nossos passos colorem o ambiente sonoro. Ao dar o primeiro passo para fora da clareira, sinto a terra morna entre meus dedos e ouço alguns galhos sendo quebrados pelos passos de Maria. Seguimos o caminho lentamente, sendo cobertos pelas árvores e perdendo a visão do céu. A visão da clareira vai se despedindo por entre as árvores, troncos e arbustos. Sei que não vou me perder, o caminho de terra estava gravando nossas pegadas por onde andávamos. Meu pai nos ensinara isso: se nos perdermos na floresta é só seguir as pegadas que apontam pelos calcanhares. Minha irmã segura em minha mão esperando obter mais segurança e coragem. Aperto a mão dela com firmeza para passar um pouco do que ela precisa e a puxo para dentro da floresta apertando meu passo.
Conforme o tempo passa, a curiosidade vai perdendo o atributo incentivador e a fome me faz considerar voltar. Após alguns minutos, eu sinto uma gota cair em meu ombro e isso é um sinal de que temos que voltar o mais rápido possível. Olho para Maria e vejo que ela está assustada. Provavelmente ela já entendeu a situação em que nos meti. A chuva chega e vejo nossas pegadas se desfazendo na terra que agora virava lama.
Como se fosse algum tipo de pegadinha divina, a chuva logo vai embora. Parecia que tinha vindo apenas para nos fazer perder a calma e a direção de volta para casa. Eu e Maria nos sentamos em um tronco, e sentimos a barriga roncar. Não me lembro de já ter sentido tanta fome. Provavelmente perdemos a noção do tempo durante nossa caminhada. Pego alguns dos cogumelos do chão e dou uma mordida. Eles não se pareciam nada com cogumelos venenosos, mas eu como primeiro para ver se tem algum risco para minha irmã. Os cogumelos não estão muito bons, mas meu corpo não reage negativamente a eles. Eles apresentam uma coloração meio marrom e um gosto um pouco enjoativo, mas nada que não mate a fome. Dou alguns para Maria e ela os come ferozmente. Então a fome vai embora e decidimos continuar a trilha.

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Está de noite, sou acordada por algum barulho que vem de fora do meu chalé. Ouço crianças chorando e batendo na porta da minha casa. Levanto-me, coloco as pantufas e ando com passos pesados para atender os pestinhas. Tomo um susto quando abro a porta. Vejo duas crianças chorando e com os dentes sangrando. Pedaços de madeira que provavelmente foram parte da minha casa estão jogados no chão e cheios de marcas de mordida. As crianças correm para dentro do chalé, comendo tudo o que estava dentro da minha despensa. Eu as deixo comer e corro para a janela. Fico alguns segundos encarando a floresta, e decido gritar para que alguém me ouça, qualquer pessoa, eu precisava avisar que acabei de achar duas crianças que provavelmente fugiram da cidade e estão acabando com tudo o que tenho. Se alguém tiver ouvido, a ajuda  deve chegar em aproximadamente uma hora, pois a cidade está parada por causa de uma festa de casamento e a chuva fez a região em que moro impossível de se atravessar.
Bato no parapeito da janela. Frustrada e me lembrando do problema que tenho bem atrás de mim. Olho pelos ombros e vejo o garoto mordendo o pé de uma cadeira, a garota que estava com ele está chorando no canto da sala. O garoto pula para cima de mim, tentando me morder, então eu atiro ele para dentro do meu quarto e tranco a porta. O menino começa a bater na porta, chorando e gritando por comida.

Sei que muitas pessoas não fariam isso, mas otária do jeito que sou, decido preparar algo para as crianças comerem. Não sei há quanto tempo estavam perdidas, mas estão tão desnutridas que o mindinho do garoto parecia um osso de galinha. Ligo o fogo do forno que eu costumo usar para preparar os doces para a minha franquia e deixo-o esquentar. Enquanto isso, eu pego um pão de anteontem e jogo para a garota com medo que ela me ataque. A garota come o pão como se fosse o primeiro prato de uma ceia de natal. Logo em seguida, ela chora pelo irmão que bate com todas as forças na porta do meu quarto.
Abro a porta e jogo um pão para dentro, fechando-a em seguida. Dessa vez eu não tranquei a porta na esperança de acalmar a criança. Abro o freezer da geladeira e tiro um frango congelado e pronto para ser assado. Abro o forno e fico de joelhos para botar o frango para assar. Choro em desespero sabendo que as crianças devem estar tão desesperadas quanto eu. Ouço a porta do meu quarto abrindo e sou empurrada para frente. O fogão fecha.”




domingo, 26 de abril de 2015

Não leia, é perda de tempo.

Estamos todos indo para casa


Quando vem o conforto?
A satisfação é a palavra tatuada dentro de nossas cabeças.
Nossos esforços, lutas, caminhos e decisões são para o bem próprio.
Quando ajudamos alguém ou fazemos qualquer outra boa ação, é para no final sentirmos aquele frio na barriga.
Somos bons e fazemos coisas boas para trazer aquela sensação de conforto com a nossa vida. Mas isso nunca dura. Existe então o conforto que não acaba? Alguma escolha ou receita milagrosa para atingir o estado de felicidade infinita.
Ontem eu vi uma frase que desde então martela em minha cabeça. Talvez seja essa a explicação para toda essa esperança e paciencia para o conforto.
Nossa vida pode ser resumida e explicada como uma eterna ida para casa.
Mas qual seria a nossa casa? Quando finalmente chegaremos no lugar do qual enjoar não será possível?
Será que todo esse esforço e sangue gasto será recompensado com o lugar que procuramos? Alguém jâ chegou lá?
Sabe, mais vale a pena viver sem se preocupar com isso. Antes de talvez chegarmos em casa, passamos por inúmeros lugares únicos. Lugares os quais talvez não passaremos novamente. E então seria um bom uso do nosso tempo passar por todos esses lugares sem nem ao menos olhar para eles? Pois é, cheguei a uma conclusão. Desleia esse texto. Volte no tempo, ignore tudo o que aqui está escrito. Pois você também está indo para casa, e nem ao menos olha para os lados. Está agora focado em um conjunto de letras que apenas tomam o seu tempo. Não volte mais aqui, não é bem vindo. Aproveite seu tempo, já que não tem volta.
Não volte mais, estarei esperando.




Quanto de humano

Autora convidada: Kathryn Lanna


Impressiono-me a cada dia que passa com o ser humano. Ego? Medo? Âmbito? Egoísmo? Ou seria tudo junto e misturado? Onde foi parar o amor para com o próximo? E a compaixão?
Quantas vezes você já não passou por um desabrigado, um menininho ou “mendigo” pedindo algo na rua? Você deve estar pensando “Aaaah várias, com o país em que a gente vive...”. Agora eu te pergunto, quantas vezes você já ajudou algum deles? Dessa vez você deve ter parado pra pensar um pouco. Uma? Duas? Nenhuma? “Se eu der dinheiro eles vão gastar em droga, o Brasil não tem mais jeito não”.
Uma vez andando pelo Méier, entrei em uma daquelas lojinhas onde vende de tudo e me deparei com um menininho de sete anos de idade pedindo algo às pessoas. Como você acha que elas reagiram? Torceram a cara, não responderam, olharam com um olhar de descriminação e pior, seguraram seus pertences. Desliguei-me um pouco da cena e fui ver se eu achava o que procurava, quando escuto aquela voz meiga e gentil. “Tia, você poderia me comprar essa blusa?”. Viro-me e está lá, aquele menino me olhando com aqueles olhinhos brilhantes e com uma camisa na mão. Mas eu não tinha dinheiro suficiente para lhe comprar a camisa, até que uma senhora que aparentava ter uns 60 anos veio até mim para perguntar se ele estava me incomodando, então lhe expliquei a situação. Na mesma hora, a senhora puxou da carteira uma nota e juntou com o meu dinheiro. Virou para o menino e disse, “Vá até lá e escolha duas camisas e um short”.
Só de ver a cara de felicidade do menino meu coração já se encheu de luz, uma sensação boa tomou conta de mim. Não tinha mais nenhum dinheiro, mas estava feliz porque fiz alguém feliz.
Outro dia fui com meu pai e minha irmã ao McDonald’s, coisa normal de fim de semana. Mas nesse dia específico algo me chamou a atenção. Ao passarmos pela porta do estabelecimento havia um menino, que aparentava ter a minha idade, sentado no chão. Na mesma hora minha fome diminuiu. Como eu poderia ter uma abundância de comida como aquela e ele não? O que nos difere? Peguei meu lanche e comi meu hambúrguer devagar pensando no menino. Nem tocar nas batatas cheguei a tocar. Meu refrigerante? Só um terço vazio. Perguntei a meu pai se poderia comprar mais um hambúrguer. “Por que, minha filha, ainda está com fome? Nem comeu suas batatas”.
Respondi-lhe que queria levar para o menino. Ele me olhou com um olhar de negação e depois de um tempo ao perceber que não fiquei muito feliz, disse-me para dar minhas batatas e meu refrigerante. Quando saímos tinham mais dois pequenos junto a ele. A empolgação dos meninos ao pegar a batata e o copo foi tão grande que deve ter aparecido um sorriso no meu rosto. Você faria o mesmo? Onde está sua compaixão? Onde está seu lado humano? Já pensou que você é quem muda o mundo? Não, não é só mais um clichê de “paz e amor”. Realmente pare e pense. Do que adianta você reclamar quando não se faz nada pra mudar?
E então, quanto de “humano” sobrou em você?

terça-feira, 21 de abril de 2015

Tirol

Estou cansado de ouvir que sente
E ser largado, repentinamente
Não sei se ainda serei gente
Mas nunca consigo, por mais que eu tente.
Aí mais do que de repente
Quando firmo os pés, me vejo de frente
Com alguém que sorri amplamente
E me mostra que não é assim, simplesmente
Que irei me afastar do presente
E então com um beijo perco minha patente
E esqueço da dor ardente.
Venho e escrevo um texto inteligente
Com um título sem sentido ou motivo aparente.
E decido, depois de tanto acaso incoveniente
Que sorrirei novamente
Pois encontrei por quem quebrar a rima.


Finalmente.




domingo, 19 de abril de 2015

Fichas


Estou em frente à uma máquina de fliperama cheia de desenhos e ilustrações.
Em seu letreiro, luminoso e colorido, está escrito VIDA.
Meu bolso direito não está pesado, mas creio que nele eu guarde inúmeras fichas.
Não sei quantas fichas tenho, e só descubro se tenho quando boto a mão no bolso para procurar.


Passo a eternidade na frente dessa máquina, repetindo tudo novamente.
De vez em quando aparece um player dois. Uma segunda jogadora, que me acompanha nessa aposta.

Parece ser útil, parece durar, e então o jogador dois vai para casa.
Fico sozinho com a máquina novamente, e a ficha cai.
Cai do meu bolso e faz um barulho único no chão.
E é aqui que encontro a escolha. Sinto vontade de deixar a ficha ali e sair do cassino.
Passar por suas enormes portas duplas sem olhar para trás.
E decidido, após pensar muito, eu chuto a ficha para baixo da máquina. Esqueço de sua existência.
Limpo o suor frio da testa e os pensamentos ruins da mente.
Enfio a mão tremida e fraca no bolso direito e espero alcançar mais uma ficha.
Sinto seu toque metálico e a tiro para fora do bolso, entregando-a à maquina.
Lentamente, a ficha rola para dentro.
Então ouço um apito, um toque familiar, que sinaliza que devo voltar ao jogo.
Volto a me concentrar, jogando sozinho, ganhando e perdendo pontos.
Avanço na jogatina, ignorando as palavras em amarelo que piscam em algum lugar da máquina.
Sem ninguém, vou em frente, sem me preocupar com os futuros níveis.
E lá, do outro lado da mesa, as mesmas palavras começam a ser novamente notadas por mim.
E então me ponho a pensar.
Quando será que esse "P2 - INSIRA A FICHA" se tornará um "01 CRÉDITO"?
Bem, continuarei jogando até as minhas acabarem.